A compra de imóveis em planta ou em construção pode ser um excelente negócio, tendo em vista o preço ser comumente mais baixo do que imóveis já prontos. Todavia, o comprador que se interessar por esse tipo de atividade deve estar ciente que pode vir a enfrentar diversas dores de cabeça no meio do caminho. Buscamos tranquilizar, nesse artigo, uma das maiores inquietações que surgem nesses casos: o que fazer nos casos de atraso na obra?
Quando a compra de um imóvel é realizada, é firmado entre as partes um contrato de compra e venda. Nesse documento é especificado todas as condições firmadas entre as partes, como qual imóvel está sendo comprado, qual o preço a ser pago, qual a forma de pagamento, se há a incidência de juros, qual o prazo de entrega do imóvel e quais as obrigações de cada parte.
Normalmente esses contratos possuem cláusulas padronizadas, sendo que o comprador tem pouco espaço para negociação dos termos. É o que denominamos de “contrato de adesão”. Devido a esse formato, é comum a construtora tentar empurrar cláusulas abusivas ou que confere vantagem apenas a parte vendedora (a própria construtora), por isso, o ideal é buscar desde o início uma ajuda especializada que possa realizar essa análise contratual apontando eventuais irregularidades desde já.
Caso o imóvel já tenha sido adquirido e o contrato assinado sem maiores análises, não se preocupe. Na grande maioria dos casos, a relação firmada entre as partes estará abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, a construtora é agente econômico que habitualmente vende imóveis (fornecedora), e o adquirente tende a ser o destinatário final daquele produto (consumidor). A exceção é quando o indivíduo costumeiramente compra imóveis para revenda. De todo modo, a incidência do codex consumerista permite que as cláusulas contratuais sejam revistas judicialmente, podendo até ser anuladas, mesmo depois do negócio já firmado. Busca-se proteger o consumidor tendo em vista sua vulnerabilidade e falta de expertise no assunto.
Tendo isso em mente, passamos a analisar a questão do atraso da obra.
Conforme mencionado, no contrato de compra e venda é fixado um prazo de conclusão da obra. Isso significa que o imóvel deve ser entregue até essa data, sob pena de caracterização de inadimplemento contratual. Devemos nos atentar, todavia, que muitos contratos preveem cláusulas de tolerância. O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a temática, entendeu pela licitude do prazo de tolerância, desde que previsto expressamente em cláusula clara e inteligível e que o prazo fixado não seja superior a 180 dias (Tema n. 01). Assim, considerar-se-á em atraso apenas após o decurso do prazo de tolerância.
Estando a obra em atraso, o consumidor pode tomar algumas medidas. É possível ajuizar uma ação judicial pleiteando a inversão da multa moratória em face da construtora. Essa possibilidade foi reconhecida pelo STJ no julgamento de recurso repetitivo (Tema 971), sendo fixada a tese: “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial”.
Além disso, é possível requerer indenização por lucros cessantes. Tal valor corresponderia a um aluguel do imóvel e visa indenizar o consumidor pelo período que não pode usufruir de seu imóvel. Ressaltamos que esse valor é devido independente de qualquer prova além do atraso da obra, isso porque o Tribunal Superior entendeu que os lucros cessantes independem da destinação do imóvel.
O montante final corresponde ao valor de um aluguel mensal multiplicado pela totalidade de meses em atraso. Assim, pode vir a ser uma opção bem interessante para quem ainda tem interesse em ficar com o imóvel quando este estiver pronto.
Não é possível, no entanto, cumular a multa moratória com os lucros cessantes. Embora, em tese, o primeiro tenha natureza moratória e o segundo compensatória, ao analisar as relações imobiliárias, o STJ entendeu que ambos têm a finalidade de indenizar o consumidor pelo atraso da obra. Assim, no Tema 971, foi fixada a impossibilidade de cumulação dos institutos.
Caso o negócio não seja mais atrativo, é possível optar pela rescisão contratual com a devolução integral do montante pago. Isso significa que o consumidor desiste da compra do imóvel e recebe tudo o que pagou pelo mesmo em uma única parcela. Atente-se, porém, que a devolução integral só será possível quando a rescisão se der em virtude de culpa exclusiva da construtora. Nesse sentido, dispõe a Súmula 543 do STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
Estes são alguns dos pedidos possíveis no caso de atraso na entrega de obra. Existem pedidos reflexos que podem ser incorporados à ação judicial, como revisão do contrato de compra e venda (revendo as taxas previstas, o índice de juros e o índice de correção monetária) ou até um pedido indenizatório, por danos morais ou perda de uma chance. Para consultar todas as possibilidades concretas, recomendamos que busque um serviço de advocacia especializado.